Zé no Caixão

José Mojica Marins está morto. O desgraçado não conseguiu esperar a visita que eu pretendia fazer.

Teve a sorte de não ser um miserável, e tinha acesso a câmera e a um cinema. A paixão o moveu, sempre.

Era um gênio enterrado sob a censura da ditadura militar. No exterior é exaltado como um dos cineastas mais à frente de seu tempo.

O cara deveria ser um símbolo nacional, mas sua temática sempre foi demais para o nosso povo “moralista” -inclusive era sua crítica.

Aqui, morreu como uma piada. Mas não para mim.

Obrigado por tudo, cara.

Porta Giratória

Os passos são descompassados. A respiração é rápida e repentina. Muita, muita gente: da direita, esquerda, diagonal e até de cima.

São tantas coisas em todas direções: carros e crianças; barulhos e buzinas; motos e mascotes. Engrenagem que gera uma orquestra afinada em desagradar. Descompasso, piso em falso. Quase caio, e de cara. A tormenta me tortura, me dá tontura. Preciso parar um pouco.

Seja por um segundo sequer.

Assim, sigo girando; gerando cinética.

Carta Intimista

Essa postagem é para você. Sim, pra você mesmo. Talvez faça algum tempo que tu não receba uma carta pessoal que não seja alguém pedindo alguma coisa ou uma má notícia. Bom, sinto desapontá-lo mas pode ser que esta seja boa ou ruim: Quem escolherá isso é você.

Nos conhecemos há um bom tempo né? E por mais que as coisas em nossa relação tivessem seus altos e baixos, uma coisa sempre acontece queiramos ou não: Mudamos. Parece que tudo sempre será como foi ontem ou há vinte anos atrás, mas não, nunca mais. Já disse um poeta “tudo muda o tempo todo no mundo”, e como tal nossa relação mudou bem como meus anseios, minhas crenças, convicções e até a maneira como penso que a vida deveria ser vivida.

Infelizmente não adianta pensar que tudo que ríamos no passado poderemos rir no presente e quiçá então, no futuro. Temos nossos pontos em comum, claro, e não seriam importantes se não fossem exatamente o elo que mantém viva nossa convivência – jamais pense que eu não levo isso em consideração. É hora seguir em frente, criatura, e pensar como essa nova fase admite inúmeras e improváveis possibilidades positivas para ambos.

É isso que faz das escolhas a melhor parte da vida. Agora me dê cá um abraço.

Peter não queria entrar para a NASA

The_Impossible_Astronaut

Enquanto Peter terminava sua série de exercícios rotineiros, os inúmeros médicos avaliavam cada traço ascendente e descendente dos eletrocardiograma, eletroencefalograma, mapeamento cerebral, resistência e esforço, buscando algum empecilho para que rapaz não fosse apto a ser um cosmonauta. Parte do problema não estava naqueles papéis e telas mas na consciência de Peter, que tinha sérias dúvidas sobre seu sonho. A outra parte é o fato de que ele não sabia disso.

Quando pequeno ele olhava para o céu procurando as estrelas que contou no dia anterior, e não só as reencontrava como percebia algumas ainda maiores e mais brilhantes para anotar em seu caderninho. Especulava em sua inocência criativa as possibilidades que cada planeta oferecia, ouvindo seu pai descrevê-los antes de dormir. Seus sonhos eram permeados por viagens interplanetárias onde Peter conhecia diversas espécies de flora e fauna por todo o Sistema Solar, fugindo de tempestades e coletando plantas e pequenos animais.

Durante a dura adolescência, sua fascinação pelos astros fora alvo de chacota e opressão no momento em que os valentões o instigavam que seu sonho seria impossível e infantil. Diversas vezes ele corria ao banheiro para chorar sua frustração em ter uma ambição tão distante dele. Olhava para o céu e para suas anotações com olhar de desprezo, fomentado pelos gritos e vozes de seus colegas humilhando-o. Por um bom tempo foi um jovem deprimido e desmotivado que seguiu sua vida olhando para frente, como a maioria das pessoas.

Hoje estava fazendo o último teste para embarcar no foguete em direção à Estação Especial Internacional, e tinha certeza de que seria bem sucedido: Os últimos três anos foram de treinamento pesado com alimentação restrita, horários precisos e acompanhamento psicológico. O resultado positivo foi anunciado, e Peter o recebeu com um misto de felicidade e perplexidade: finalmente estava indo ao espaço.

Já dentro do módulo de tripulação, sentado fixamente à poltrona ele fita a sua frente a pequena janela mostrando as nuvens ao longe. Após a checagem geral inicia-se a contagem: Cinco, e Peter apertou os dedos em ansiedade; Quatro, lembrou-se de tudo que sofrera por acreditar em algo tão improvável; Três e ouviu a voz de seu falecido pai falando a palavra “estrelas”; Dois, e lembrou que estava com seu caderninho de infância para dar sorte; Um, e pensou em si mesmo quando pequeno observando as estrelas, pensando que fora sua fascinação pelo espaço que o manteve olhando para cima, tirando-o do conformismo. Zero, ouvindo a explosão do combustível, lançou uma lágrima no ar ao perceber a única dúvida que tinha em seu coração: percebeu que o que importava talvez  não fosse realizar seu sonho, mas ter trilhado o caminho até ele.

O Vento

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Michel não tinha nada de mais além de um isqueiro e o último cigarro daquele dia da semana. Não tinha mais casa, nem carro, tampouco roupas ou sequer sapatos, os quais teve que vender junto com sua esperança. Vagava pela rua como um fantasma que podia ser visto, mas não sentido. Através das ruas imundas do centro urbano, ele lembrava de sua gaita e de sua doce voz, bem como das vezes que chegou a apresentar-se frente a uma centena de pessoas, que alimentavam seu sonho de ser um cantor famoso, e expressar para o mundo tudo aquilo que gostaria de dizer com suas melodias e letras. Murmurou algo por entre a espessa barba: “Dá aqui isso aí”, e o outro mendigo alcançou-lhe o pequeno cachimbo.

Sentou-se com o corpo para o lado, enquanto baforava, observando aquela fumaça, que dançava como as nuvens, onde podia enxergar um anel, um coelho, uma bola, que se esvaiam com o vento, por entre as folhas das poucas árvores que cresciam nos espaços das calçadas. Uma destas pequenas folhas desgarrou-se de seu galho, e caiu em frente ao rapaz, que, em sua alteração mental, soltou uma risada. Pegou a folha, encostou à boca, como fazia com sua gaita, e soprou. E, apesar de não exalar nenhuma fumaça no ar, as notas musicais saíram por entre o vento, como um sonho que nunca se esvai.

Viagem às estrelas

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Sinto as pernas flutuarem como num nado sublime nas mais claras águas desse universo, levadas para cima e para baixo, no ritmo da música das estrelas; eu nado no cosmo, repleto de escuridão e paz. Os braços se movem, mergulhando por entre os mais longínquos anéis de asteroides, seguindo barulho surdo dos pulsares.

Eu sinto a leveza no corpo que nunca tive em minha mente, que sempre foi tomada por explosões e atrito. Agora, somente o vácuo me sopra, me fazendo dançar por entre as luzes das galáxias.

Estou indo de encontro a um lugar calmo, a uma forte energia que me atrai, me preenchendo de paz e tranquilidade. Em meio a minha viagem às estrelas, vagando por entre luzes e sombras, encontrei o que sempre procurei, e agora, vou-me embora em paz.

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http://www.youtube.com/watch?v=VTXOP8wAqyc

Em um dia tranquilo

No conforto de casa,  ele deita Todas preocupações do dia se esvaem no travesseiro e no colchão macio. Olha para a própria mão. Pressente que os movimentos não corresponde aos que está tentando realizar. Ela parece estranha ao que vê. A presença de si mesmo começa a se tornar algo ilusório.

Sacode a mão e crava o rosto no travesseiro. Na cabeça, pensamentos diversos: Estaria passando mal? Por que somente a mão esquerda ele sente isso?

Abre os olhos; Observa ambas a mãos. A relação entre esquerdo e direito lhe dá uma fisgada de tensão. Agarra o colchão com a mão direita, bem forte. Tenta mexer a mão esquerda, sacudindo-a. Tudo parece tão leve, as mãos e os braços se movimentam como que automaticas e em um ar espesso, levando a uma sensação de lentidão.

Tenta se agarrar nos travesseiros em volta, tentando forçar algum movimento, alguma sensação forte aos braços e mãos. O coração dispara e a pupila contrai. Sua frio e começa a sentir o mesmo com as pernas.

De súbito levanta da cama, sacudindo os braços para senti-los. O coração dispara ainda mais. Mão ao peito. Será que vou ter um ataque cardíaco? E uma arritmia? Lava o rosto e se olha no espelho. Vê a própria mão no espelho e tudo lhe causa estranheza.

Não consegue parar de observar cada movimento de seu corpo, e pensar no porque isso tudo está acontecendo.  Deita-se novamente, soluçando para que a agonia acabe de uma vez por todas. Quando solta os punhos cerrados, eles parecem inexistentes. Sensação incontrolável, indescritível quase.

Tenta manter-se centrado e pensa no óbvio: não há nada de errado com ele. Porém, as sensações falam mais alto, e, novamente, se prende ao edredon e aos travesseiros. Parecia estar à beira de uma doença terrível,  de um derrame que poderia vir no futuro, de um aneurisma que um dia pode vir a ter, de uma doença súbita e terrível como uma vez já tivera. Estava, na verdade, sofrendo com um profundo

Pânico.

Nos Pampas

O ano era 1837. Antônio e Constância eram um casal idoso cujos filhos estavam longe há muito tempo. Residiam nos Pampas do Rio Grande do Sul, criando gado e plantação de trigo durante 40 anos. Antônio leva o leite ordenhado pela manhã para o café da tarde, enquanto Constância tomava um chimarrão. Com a guerra, presenciavam inúmeras tropas indo e vindo, ameaçando e pedindo. A todos, o casal cedeu suprimentos, moradia e todo tipo de auxílio, pois acreditavam nesta terra e, principalmente, no ser humano.

Com a seca, vieram os problemas. Além de uma produção escassa, Antônio e Constância sofriam com a fome e os embargos no momento em que vendiam seus bens.

Chegando em casa, ambos ficaram em silêncio, após uma amarga sensação de que não seria possível continuar a guerra da vida. Ficaram sentados, com lágrimas deslizando os olhos, assim como as nuvens que começavam a chegar. E no primeiro trovão, anunciando esperança, Antônio disse:

– Mostremos valor, Constância, nesta ímpia e injusta guerra. Que sirvam nossas façanhas de modelo a toda Terra.

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Uma singela homenagem ao 20 de setembro, data em que não se deve comemorar a guerra, mas a perseverança.

Rivais

Apressado, desce a sua rua a passos largos.
Suor cai em seu rosto, no ombros pesam-lhe os músculos dos braços.
Do outro lado da rua, um rapaz mais velho vindo em direção
Oposta,
Os olhos desconfiados dos dois se cruzam,
Em uma expressão de conflito e ódio.
Nunca haviam visto,
Mas um deles sabia que o outro iria machucá-lo.
O motivo: dinheiro.
Agora a adrenalina corre nas veias,
Músculos se tensionam, preparados para o impacto
E andam um contra o outro, somente interligados
Pelo feroz olhar de ambos,
E ficam lado a lado, sem desviar o olhar,
Afastados somente por 3 metros de asfalto
Quente do sol das quinze horas.

Param.

Um pega um pedaço de madeira com um prego,
Que jazia no chão
O outro, um tijolo na calçada.
Cacos, batidas, estilhaços.
Suor antes do trabalho, agora provém do instinto,
Da sobrevivência.
Rolam no chão tentando atingir um ao outro
Com o que tem em volta.
Um deles consegue ficar por cima,
Pega o outro pela testa e bate a cabgeça na calçada.
Uma,
Duas vezes.
Na quinta batida ouve-se o estalo, e as flores da calçada
Banham-se de vermelho-escarlate.

Corpo abandonado,
Um cambaleante corre com medo do que fez.
Esconde-se numa viela escura.
É pego por oficiais,
E levado ao inferno.

E lá, vive aquilo muitas vezes,
E o sangue lhe escorre o rosto diariamente.
Até que o ódio domina seu coração.
Foi solto porque tinha dinheiro pra pagar um bom advogado…
Mas o ódio não foi dissipado…
Fora preso por matar o homem que iria matá-lo por seus tênis.

De Todos

Nesse planeta, aparentemente os seres humanos constituem a espécie mais inteligente. E, nessa inteligência, surgem idéias com diferentes propósitos e interesses separatistas e exclusivistas. São tantos os nomes dados para algumas dessas idéias: sexismo, nazismo, racismo. Uma das mais praticadas e menos observadas é o Especicismo, que, no nosso caso, corresponde à convicção e abuso por parte da humanidade sobre as espécies “menos evoluídas”, que compreendem os animais e a natureza.

Todos dividimos a mesma casa, o Planeta Terra, e parece que a força humana é a única que não segue o equilíbrio da natureza, utilizando seu potencial para fins escusos e egoístas. Por causa do lucro, a caça aos animais para produção de comida atinge recordes alarmantes. Para a função exclusiva de servir de alimento, os animais passam toda sua vida parados ou de pé, dando leite, engordando, machucando-se nas grades, onde não é seu lugar. Animais indefesos como focas, raposas, lobos e chinchilas são torturados ao terem sua pele retirada enquanto vivos, ou após receberem eletrocução anal. Ou as intermináveis horas que um boi fica sangrando ao serem cravados enormes espigões em suas costas, vários homens e capas a confundir-lhe, atiçar-lhe, maltratar-lhe. E no final todos aplaudem a tradição em sua pior expressão.

Será que não temos tecnologia suficiente pra fazermos vestuário sintético, escolher comer as inúmeras alternativas que não seja carne? Sou absolutamente contra a morte ou tortura de animais para recreação (touradas, circo, etc.) e extração da pele.

Também não sou a favor da proibição do abate, mas gostaria que ele prezasse a vida do animal no abatedouro e respeitasse sua dor na hora da execução. Você acha que animais não sofrem? Pensem no fato de que os animais têm alguns sentidos muitíssimo mais aguçados que o nosso, e que uma dor causada a nós, pode provocar o quadruplo da dor no animal. Um exemplo prático é o golfinho, que é hipersensível, tanto que sua comunicação é bastante complexa e depende de vibrações e sensações. Pensem na dor que ele sente quando alguém lhe retira do mar, corta-lhe um traço para que o deixe sangrar até a morte, que demora a chegar.

A natureza é cruel também. Muitos desses animais morreriam comidos vivos, de fome ou de doenças.

Mas o homem faz questão de torturar, matar, experimentar animais não para se alimentar, se proteger do frio ou salvar a população mundial, mas para encher o próprio bolso. A gente sabe que é anti-ético, mas provocamos tudo isso para benefício próprio, e não sobrevivência ou necessidade. Pura ganância.